Vide publicação a seguir e arquivo da decisão do Juiz:

Data de Circulação: 12/8/2016 – Data da Publicação: 15/8/2016
Diário Pesquisado: SAO PAULO – C3 – JUD 1 INSTANCIA CAPITAL (SP)
Fórum João Mendes Júnior
2ª Vara de Falência e Recuperações Judiciais JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÕES JUDICIAIS JUIZ(A) DE DIREITO PAULO FURTADO DE OLIVEIRA FILHO ESCRIVÃ(O) JUDICIAL HELENA MARIA HERMESDORFF EDITAL DE INTIMAÇÃO DE ADVOGADOS RELAÇÃO Nº 0237/2016
Processo 004577022.2014.8.26.0100 (processo principal 006520849.2005.8.26)

Vistos.

A Assembleia de Credores, instalada para deliberar sobre as propostas de realização alternativa dos ativos da massa falida do Banco Santos, realmente padeceu de alguns entraves à regular deliberação dos credores, tais como a inexistência de pessoas para receber as procurações dos credores antes da assembleia e a inversão da pauta que teria ensejado a votação sem os necessários esclarecimentos sobre as propostas, de modo a impedir a participação refletida de todos os interessados, a serena comparação entre as propostas e a realização dos ativos na falência, bem como as diferenças entre as propostas de realização alternativa dos ativos.

Além disso, houve problemas na assinatura da lista de presença, de identificação de credores e o indevido cômputo de votos dos que se abstiveram.

Logo, deve ser declarada a nulidade da deliberação tomada na assembleia.

Após a assembleia, vários credores se manifestaram nos autos, pela aprovação da proposta alternativa de realização dos ativos elaborada pelo Credit Suisse.

Porém, estas manifestações fora da assembleia não estão de acordo com a lei.

Não se pode passar à coleta de votos após a assembleia, de modo que esse desejo de aprovação apenas pode ser tomado pelo juízo como manifestação favorável à realização de uma nova assembleia, para aprovação ou não da proposta do Credit Suisse, como requerido pelo representante do Ministério Público.

Porém, considero que tal assembleia de credores deve deliberar sobre a proposta do Credit Suisse que não viole a lei, pois o Juiz só homologará a proposta de realização alternativa dos ativos que, além de aprovada pelo quórum legal, não contenha qualquer ilegalidade. Esse o sentido do art. 145 da LRF.

Pois bem. O processo falimentar, como sabido, tem por objetivo o afastamento do devedor de suas atividades empresariais, a manutenção do uso produtivo de seus ativos e o tratamento paritário dos credores.

Garante*se, pela falência, a “par conditio creditorum”, ou seja, o tratamento igualitário, isonômico, entre credores de uma mesma categoria, já que os credores do devedor comum serão, no processo de falência, agrupados em classes que irão orientar a preferências para o recebimento dos respectivos créditos, preferência esta conferida segundo critérios legalmente definidos (Sérgio Campinho, Falência e Recuperação de Empresa, 2ª. edição, Renovar, RJ 2006, p. 7).

A propósito da “par conditio creditorum”, Piero Pajardi faz a ressalva de que não se deve crer que o rigor do sistema falimentar se exaure nas relações entre os credores (entre eles mesmos), eis que, de fato, a importância da par condicio reside na previsão de tipo de contrapartida, em favor dos credores e contra o devedor, qual seja, a indisponibilidade do inteiro patrimônio do devedor a “sanzione civile più rigorosa che si conosca” (apud Ligia Paula Pires Pinto Sica, Direito Empresarial Atual, Elsevier, 2014, p. 87).

Não é por outro motivo que, na classificação dos credores, o devedor falido ou os sócios da sociedade devedora falida só devem receber qualquer produto da alienação dos ativos da massa falida após a satisfação integral de todos os credores trabalhistas, fiscais, com garantia real, quirografários e subordinados.

Inverter esta justa distribuição dos ativos da massa falida, contemplando o falido antes da satisfação integral de todos os credores quirografários, é, muito mais que violar uma regra do direito falimentar, mas o princípio de que a falência serve para a proteção do crédito e não do devedor.

Pela proposta do Credit Suisse, os credores quirografários abrem mão de 30 do valor de imóveis da Marginal Pinheiros já arrecadados (cf. a manifestação do Comitê de Credores a fls. 137 e do próprio Credit Suisse a fls. 421/422 a resposta à pergunta 13).

Claro, diante disso, que não pode ser aceita a alegação dos credores representados pelo escritório Lobo & Ibeas de que há uma renúncia por parte do Falido sobre 70 do produto da venda dos Imóveis da Marginal (fls. 1807).

Ora, o falido não tem a disponibilidade sobre o seu patrimônio.

No regime falimentar, tais bens imóveis já arrecadados e em fase de avaliação serão alienados e o produto da venda destinado integralmente ao pagamento dos credores, sem participação de 30 do falido, ou seja, respeitase a regra de justiça e de proteção ao crédito: primeiro os credores, depois o devedor.

Ademais, a proposta do Credit Suisse culmina por também permitir ao falido retomar o imóvel em que residia, mesmo sem satisfação integral dos credores quirografários, imóvel esse que comprovadamente foi adquirido com recursos subtraídos da instituição financeira por ele controlada.

Recentemente, na edição de 24 de julho de 2016, o jornal Folha de São Paulo trouxe matéria em que enumerou as dez maiores mansões na Capital, incluindo a do falido: a mansão Edemar Cid Ferreira está em segundo lugar no ranking (página B10).

Provavelmente a manchete no futuro será o retorno triunfal do falido à sua antiga residência, caso acolhida a proposta do Credit Suisse nos termos atuais, com evidente desprestígio do Poder Judiciário.

Observo, a propósito dos imóveis arrecadados, que as avaliações dos imóveis da Marginal e da mansão foram objeto de extensas impugnações pelo falido e credores representados pelo escritório Lobo & Ibeas.

Essa a estratégia que tem contribuído para retardar a alienação e criar o ambiente propício para jogar nas costas do processo de falência, injustamente, a morosidade na alienação desses bens.

Nesta falência, como assinalou um credor, representado por advogado militante no direito falimentar, o administrador judicial e este MM. Juízo vem, dentro do possível, num processo de enormes dificuldades, conduzindo-se de forma exemplar, o que se nota por exemplo nos rateios já distribuídos…. (fls. 267).

Recentemente o administrador judicial propôs novo rateio, pois é possível distribuir aos credores quirografários em torno de 5 do valor de seus créditos, e novamente houve oposição do falido.

Valverde já advertia, quando da elaboração do texto do projeto que deu origem ao Decreto-lei 7661/45, que havia retirado o poder das assembleias de credores, previstas na legislação anterior, e atribuído ao juiz a difícil tarefa de conceder ou não a concordata, porque os credores não eram capazes de cercear a fraude que muitas vezes se infiltrava nos acordos e corrompiam o espírito da lei.

Sob a lei atual, também cabe ao Juiz o controle da legalidade das deliberações das assembleias de credores, quer na recuperação, quer na falência, de modo que a proposta de realização alternativa de ativos do Credit Suisse que permite ao falido receber recursos ou imóveis da massa falida antes da satisfação integral dos credores quirografários, pelas inúmeras razões já expostas, não pode ser admitida.

É claro que os credores têm direito a uma alternativa que consideram mais eficiente sob o ponto de vista econômico, e é legítima a aspiração de gestores profissionais de recursos na administração privada dos ativos da massa falida, mas não se pode, em nome da eficiência econômica de determinadas soluções convenientes aos credores, violar-se a ética, admitir-se o injusto, propagar-se o ilícito.

Pelo exposto, anulo a assembleia de credores e concedo o prazo de 30 dias para nova proposta do Credit Suisse, de acordo com as diretrizes acima apontadas, a fim de que seja possível a convocação de outra assembleia.