Sob custódia (Fernanda Mena, da Reportagem Local)
Exposição reúne obras das coleções do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, do investidor Naji Nahas e do narcotraficante Juan Carlos Ramirez Abadía no MAC do Ibirapuera
Fotos Eduardo Knapp/Folha Imagem Eis um legítimo Miró apreendido |
Há 20 dias, o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, no parque do Ibirapuera, inaugurou uma exposição inusitada sem coquetel nem divulgação. “Coleções sob Guarda Provisória” reúne as coleções que um dia decoraram mansões ou escritórios do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, do megainvestidor Naji Nahas e do narcotraficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadía.
É a primeira vez que o MAC reúne os três acervos em uma grande exposição: são 108 quadros e esculturas que abrangem obras de Joan Miró, de artistas brasileiros de renome, como Di Cavalcanti, Portinari, Cildo Meirelles e Amílcar de Castro, e de outros menos conhecidos.
A diretora do MAC, Lisbeth Rebollo, consegue decifrar o perfil de cada colecionador sub judice a partir das obras que recebeu: Edemar teria perfil nacional e internacional, Nahas cultivava gosto especial por arte brasileira moderna e Abadía investia apenas em arte brasileira contemporânea.
Apesar disso, segundo ela, não há uma problemática estética por trás dessa montagem. “Tanto é que elegemos um título genérico para a mostra.”
Estética da lavagem
Para o juiz Fausto De Sanctis, titular da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, responsável pelo seqüestro das obras do ex-banqueiro, do megainvestidor e do narcotraficante, qualquer lógica estética pode ser substituída por uma leitura curatorial de cunho, digamos, criminal (leia quadro ao lado).
“Essas obras de arte foram compradas com dinheiro ilícito. Elas são a concretização do crime da lavagem de dinheiro”, explica De Sanctis.
O juiz, que integra um grupo de titulares de varas especializadas em crimes financeiros, entregou as coleções sob guarda provisória de sete instituições culturais de São Paulo, entre elas o MAC. A destinação permanente das coleções só pode ser dada após o término dos processos.
A exposição seria, portanto, fruto de um mercado que não preza pelo controle, tornando-se vulnerável a operações de lavagem de dinheiro.
Obras no exterior
Depois de apreender as três coleções, a Justiça Federal fez acordos de cooperação internacional para trazer ao país obras de Edemar e de Abadía encontradas, respectivamente, nos EUA e na Colômbia.
Na Colômbia, foram localizados dois quadros de Botero, avaliados em cerca de US$ 400 mil (R$ 750 mil) cada, e mais de 70 obras de latino-americanos de pouca expressão.
Nos EUA, foram encontradas cinco pinturas de propriedade da Cid Collections, empresa que administra a prestigiosa coleção de Edemar, que haviam desaparecido depois que o ex-controlador do Banco Santos passou a ser investigado por fraude e lavagem de dinheiro.
Entre elas está “Hannibal”, de Jean Michel Basquiat, avaliada em US$ 8 milhões (cerca de R$ 15 milhões).
As obras estavam prontas para serem repatriadas quando uma decisão do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) do ano passado emperrou o processo ao determinar que é o juiz responsável pelo processo de falência do Banco, Caio Marcelo de Oliveira, e não o juiz federal criminal, é quem decidirá o destino definitivo das obras.
Com isso, a coleção tende a integrar a massa falida do Banco Santos (empresa que é formada no momento da decretação de falência de uma empresa) e ir a leilão para o pagamento de credores do banco.
“Se você tem uma dívida e um Picasso, vai vendê-lo para pagar o que deve. No caso de um banco é a mesma coisa.”, diz Vânio Aguiar, interventor no Banco Santos. “Existe um conflito de competência.”
Ainda assim, a Advocacia Geral da União (AGU) entrou com um recurso no STF (Supremo Tribunal Federal) para que a coleção não seja integrada à massa falida do banco, permanecendo nos museus, que aguarda julgamento.
Museu x leilão
Enquanto o debate prossegue nos tribunais, no limiar entre questões jurídicas e culturais, especialistas e instituições defendem que as obras permaneçam nos museus. Um dos argumentos já utilizados pela reitoria da USP é que foram investidos até hoje mais de R$ 1 milhão com restauro, manutenção, armazenamento e exposição das peças apreendidas.
Mário Chagas, diretor do departamento de processos museais do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), órgão ligado ao Ministério da Cultura, as obras do Banco Santos “têm dimensões de interesse coletivo com função social pública”. “São peças de valor cultural, histórico e artístico, algo muito mais importante que seu valor financeiro. A idéia de irem a leilão é um perigo.”
Para o curador Ivo Mesquita, as obras deveriam ter acesso público garantido. “Obra de arte é uma forma de capitalização, mas eu sou um patrimonialista e acho que obras importantes deveriam permanecer nos museus.”