Falências: Valor arrecadado será rateado de forma proporcional entre os credores quirografários

 

Massa falida do Banco Santos vai quitar R$ 270 milhões da dívida (Cristine Prestes, de São Paulo

 

Há pouco mais de cinco anos, a imponente sede do Banco Santos, na Marginal Pinheiros da capital paulista, chamava tanta atenção quanto a boa rentabilidade dos fundos administrados por ele. Após a intervenção do Banco Central (BC) na instituição, em dezembro de 2004, o que se seguiu não foi menos grandioso – desde a descoberta, pelo Ministério Público Federal, de uma rede de 225 empresas ligadas ao ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira até o tamanho da dívida, de R$ 2,8 bilhões, que em valores corrigidos chega a R$ 3,19 bilhões. Agora, a massa falida do Banco Santos dará um passo não menos eloquente: fará o rateio de R$ 270 milhões entre seus 1.982 credores quirografários (sem privilégio no recebimento) – feito raro em processos de falência, que costumam ser concluídos mais de uma década depois sem que sequer as dívidas trabalhistas tenham sido quitadas.

O rateio do dinheiro arrecadado pela massa falida do Banco Santos foi aprovado pelo juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 2ªVara de Falências e Recuperações Judiciais da Justiça de São Paulo, a pedido do administrador judicial Vânio Aguiar. Na decisão, que ainda pode ser contestada por meio de recurso, o juiz aprovou o pagamento integral dos créditos, respeitadas as reservas de valores, aos credores que têm preferência no recebimento, aos trabalhistas (desde que respeitado o limite de 150 salários mínimos) e aos tributários – e de forma proporcional aos quirografários.

Assim, pagos R$ 1 milhão em débitos trabalhistas até o limite previsto em lei e outros R$ 50 milhões em dívidas tributárias, restam cerca de R$ 580 milhões em caixa. Desse valor, R$ 130 milhões estão reservados para uma possível quitação de valores recebidos de bancos estrangeiros por conta de adiantamentos de contratos de câmbio (ACCs) a exportadores, cujo intermediador era o Banco Santos. Esses bancos querem prioridade no recebimento dos créditos, e essa exigência é hoje motivo de uma disputa judicial à parte, que em breve deve chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Outros R$ 180 milhões no caixa da massa falida foram recebidos da Eletropaulo, que tinha uma dívida referente a contratos de swap cambial com o Banco Santos e fez um acordo para quitá-la com desconto. Segundo o administrador judicial da massa falida, Vânio Aguiar, o ex-controlador Edemar Cid Ferreira contestou na Justiça o desconto oferecido e, como a ação ainda não transitou em julgado, esse valor não pode ser distribuído.

Deduzidas essas reservas, restam R$ 270 milhões destinados ao pagamento dos credores quirografários. A proposta inicial feita por Vânio Aguiar em junho deste ano previa a quitação do total dos valores devidos a 1.126 credores que têm a receber montantes inferiores a R$ 10 mil individualmente. O objetivo de quitar primeiro essas dívidas de menor valor, segundo Aguiar, era o de reduzir os custos da massa falida com controles operacionais. “Mas a proposta de pagar os pequenos créditos não foi acolhida”, diz. Diante das manifestações contrárias de diversos credores, foi feita uma nova proposta, que retirava da massa falida 779 credores mediante a quitação integral de seus créditos, que somavam um total de R$ 258.048,97. Ainda que o valor seja irrisório diante do montante a ser distribuído, novamente houve resistência por parte de credores. Assim, a saída foi manter todos os credores na massa falida e distribuir os R$ 270 milhões de forma proporcional: cada um receberá 10% de seus créditos. De acordo com Vânio Aguiar, apenas 67 credores, entre os 1.982 habilitados no processo de falência, têm valores acima de R$ 10 milhões a receber. Mas, entre esses credores de grande porte, 3,5% respondem por 62,5% da dívida do Banco Santos.

Ainda que os R$ 270 milhões recuperados e prestes a serem distribuídos sejam significativos, não há perspectivas de recuperação do total da dívida. Deduzido o valor em caixa, ainda restam R$ 2,6 bilhões a recuperar. Hoje a massa falida cobra R$ 4,274 bilhões que acredita serem devidos por meio de 876 ações judiciais de cobrança – mas boa parte desse valor refere-se aos chamados créditos de difícil recuperação, seja porque a empresa está em processo de falência ou porque não tem bens disponíveis.

Uma segunda estratégia para a recuperação dos valores é a busca de ativos localizados no exterior, seja em seu nome do ex-controlador do banco ou de empresas ligadas a ele. Essa via, no entanto, é bem mais complexa. Em especial porque o Brasil não tem tratados de cooperação internacional que envolvam o bloqueio, apreensão ou repatriamento de ativos quando o motivo do pedido é um processo de falência, o que dificulta a tarefa. “Não há instrumentos legais para que se faça a busca e o repatriamento de bens no exterior”, diz o promotor do Ministério Público do Estado de São Paulo responsável pelo processo de falência do Banco Santos, Eronides Aparecido Rodrigues dos Santos. “E são inúmeras as companhias que têm como sócios empresas off-shore em paraísos fiscais.”

Ainda que o caminho rumo à conclusão do processo falimentar do Banco Santos seja árduo, os resultados obtidos até agora são considerados excelentes. O promotor Rodrigues dos Santos, que atua em inúmeros processos falimentares em curso na Justiça paulista, muitos deles envolvendo bancos, afirma que a recuperação de valores nesse caso foi extremamente significativa. “Não é comum sobrar dinheiro para os credores quirografários”, diz. “Na realidade, é algo raro.”

 

Fonte: Valor Econômico – 17.12.09