Por entender que a empresa BMZ Couros conhecia os riscos do negócio realizado com o Banco Santos e com a Sanvest Participações, o juiz Marcelo Mendes de Oliveira, da 2ª Vara de Falência e Recuperações Judiciais de São Paulo julgou improcedente a ação da BMZ. A empresa buscava a compensação entre o contrato de Aditamento de Câmbio de Compra (ACC) assinado com o banco no valor de 1 milhão de dólares e a aplicação em debêntures na Sanvest no valor de 300 mil dólares. Cabe recurso.

“A compensação só pode operar se duas pessoas forem, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra, segundo o que prescreve o art. 368 do Código Civil”, afirmou o juiz. Segundo ele, o banco e a Sanvest são pessoas jurídicas diferentes.

O juiz também afirmou que a empresa fechou o negócio, pegando como empréstimo com o Banco Santos um valor considerável, de acordo com seus interesses na contratação. Além disso, sabia dos termos do negócio e aceitou a aplicação do dinheiro em debêntures. Mas, segundo o juiz, só com a quebra da instituição financeira é que a empresa passou a alegar vício no contrato firmado.

“É preciso acrescentar que eventuais irregularidades praticadas na administração do Banco, enquanto em atividade, não podem servir de fundamento para a demanda. O que é relevante é que, para a massa falida, que tem personalidade autônoma, existe crédito em aberto, decorrente do contrato firmado, cuja dívida não foi negada pela Autora”, explicou, citando outras decisões.

Mendes de Oliveira também informou em sua decisão que o crédito não será recebido pelo Banco Santos, já que este é um “mero repassador da quantia devida pela Autora ao banco estrangeiro”.

A BMZ Couros entrou com uma ação, alegando que havia assinado com o banco um contrato, mas que, em contrapartida, deveria aplicar na Sanvest Participações 300 mil dólares em debêntures. A empresa pedia a nulidade do contrato, sob alegação de que era venda casada.

Já o Banco Santos, defendido pela advogada Kedma Fernanda Moraes, do escritório Sergio Bermudes, afirmou que não era possível a compensação, devido à “diversidade de contratantes e a falta de vencimento das debêntures, inexistindo qualquer vício no ato jurídico”.

O juiz condenou a empresa a arcar com as custas e os honorários advocatícios, estipulados em R$ 10 mil.

Leia a decisão

Processo nº 583.00.2005.011913-1

Vistos.

BMZ COUROS LTDA promove ação ordinária contra a massa falida de BANCO SANTOS S.A. e SANVEST PARTICIPAÇÕES S.A., atualmente massa falida, alegando que firmou com o 1º um contrato de Adiantamento de Câmbio de Compra – ACC, no valor de US$.1.000.000,00, mas ele exigiu, em contra-partida, aplicação em debêntures, em sua coligada, a 2ª ré, no valor de US$ 300.000,00, que permaneceu em garantia da operação. Acrescenta que, em novembro de 2004, o Banco sofreu intervenção estatal, impossibilitando o recebimento do valor aplicado em debêntures. Afirma que deve haver compensação, para liquidação da dívida principal, com utilização do montante aplicado em debêntures, pois, inicialmente, pretendia somente um crédito de US$ 700.000,00, para utilizar nas suas atividades industriais, considerando ter sido lesada com a contra-partida exigida.

Com estas considerações, pediu o julgamento de procedência da ação, para anulação parcial das operações, no exato montante do valor de compra das debêntures, que deveria ser declarado inexigível, invocando, para tanto as disposições do Código de Defesa do Consumidor, seguindo-se a declaração de quitação e extinção da operação de câmbio, com o pagamento que fará do valor remanescente.

O despacho inicial concedeu medida liminar à A. para o impedimento de anotações cadastrais restritivas e de protesto do título de crédito.

O Réu foi citado e contestou a ação, argüindo preliminares e impugnando o cabimento de concessão de tutela antecipada, por afrontar o direito de acesso ao Judiciário e, no mérito, afirmou a impossibilidade de compensação, dada a diversidade de contratantes e a falta de vencimento das debêntures, inexistindo qualquer vício no ato jurídico. Pediu a improcedência da ação. Basicamente no mesmo sentido, a contestação da Sanvest Participações S.A., atualmente massa falida, que interveio nos autos posteriormente.

Manifestou- se a Autora sobre as contestações.

Em apenso, incidente de impugnação ao valor da causa, já solucionado, mantido o valor inicialmente fixado. Interveio nos autos a instituição financeira dadora dos recursos do adiantamento do contrato de câmbio, enfatizando a impossibilidade de compensação com valor que não pertence ao banco falido, bem como a sociedade controladora do banco falido ( f.83).

O feito foi saneado, produzida a prova testemunhal, fora da terra, seguindo-se a apresentação de memoriais pelas partes e pelo Ministério Público.

O despacho de f. 683 determinou a redistribuição dos autos a esta Vara Especializada.

É o relatório.

Passo a decidir.

A ação não pode ser acolhida.

Por vontade própria, não se pode concluir de outra forma, a Autora tomou emprestado substancial valor ( 1 milhão de dólares), colocados à sua disposição, como se vê da documentação juntada (fls. 32). Também a aplicação em debêntures foi feita livremente, como se vê de fls. 39/42, por ela. A própria inicial não descreve adequadamente a existência de vício nesses atos jurídicos e, pelo contrário, ela confirmou ter consentido com a exigência então formulada ( f.4).

Como se vê, a Autora não foi coagida a realizar essas contratações. Trata-se de sociedade comercial de porte, que concordou em aplicar determinados valores em debêntures da co-ré.

Não se tem dúvida de que, caso não tivesse ocorrido a quebra do Banco Santos, muito provavelmente teria resgatado, sem maiores problemas, os valores aplicados na outra sociedade.

Contudo, correu o risco da aplicação financeira, ao fazê-lo, risco que é comum a este tipo atividade. Tivesse aplicado tais valores no mercado de ações negociadas em bolsa, também teria corrido riscos de ganhar ou perder, conforme a oscilação do mercado.

Por esse mesmo motivo, porque o Banco e a Sanvest Participações são pessoas jurídicas absolutamente distintas, não há como se cogitar de compensação ou de considerar-se inválidas as operações, ainda que eles integrem o mesmo grupo econômico, o que se admite como verdadeiro. A compensação só pode operar se duas pessoas forem, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra, segundo o que prescreve o art. 368 do Código Civil.

Fundamentalmente, agiu a Autora albergada pelo princípio da autonomia da vontade, em contratação que lhe interessava, e só agora, com a quebra da Instituição Financeira, vem alegar vício nesse ato jurídico. Se ele ocorreu, o que não se admite, ambas as partes teriam procedido maliciosamente, o que impossibilitaria a anulação do negócio, de acordo com o art. 150 do Código Civil. Nenhum motivo para a anulação, ainda que parcial, do contrato de mútuo. Não se pode afirmar que os atos tenham sido simulados, mas, ainda que fossem, subsistiriam, por serem válidos na substância e na forma, como estabelece o art. 167 do Código Civil.

Mais ainda, mesmo a disposição administrativa do Banco Central do Brasil, invocada na inicial, não socorre a A., pois a questão implicaria somente na sujeição da instituição financeira a sanções previstas na regulamentação, sem contaminar a contratação feita pelas partes.

Sobre o tema, já decidiu o E. Tribunal de Justiça, através de sua 11ª Câmara, em julgamento de 14.9.2006, em acórdão da lavra do Des. Gilberto Pinto dos Santos (apelação 7071355-2) que, na sua fundamentação, estabeleceu o seguinte:

“… 5. No mérito, a r. Sentença deu solução adequada ao caso e merece ser mantida. Como se vê da inicial, a autora funda a sua pretensão na alegação de que, atravessando momentâneas dificuldades financeiras, buscou empréstimo junto ao Banco réu e com este firmou contrato de abertura de crédito no limite de R$ 500.000,00. Mas para tanto teve de se sujeitar à aquisição de 89 debêntures de emissão da co-ré Santospar, pelo valor de RS 125.473,14, que foram dadas em penhor ao mesmo Banco.

A partir da intervenção do Banco Santos, convertida em liquidação extrajudicial pelo Banco Central do Brasil, passou a ter justo receio de que as notas promissórias dadas em garantia, com vencimento para 09.05.2005 venham a ser protestadas e executadas. Por conta disso, pretende seja declarada a nulidade parcial do contrato de limite de crédito, no tocante ao valor daquelas debêntures, porque a aquisição destas seria nula, por constituir “venda casada” ou então simulação, ou na pior das hipóteses seja reconhecida a compensação de créditos, fazendo-se, se preciso, a desconsideração da personalidade jurídica dos réus, visto que empresas do mesmo Grupo.

Mas em que pesem as razões do recurso da autora, tal pleito não merecia acolhida, pois as evidências são no sentido de que ela na verdade não foi ‘Vítima do ardil dos Apelados”, senão “vitima” (se é que assim pode ser dito) de sua própria incúria, criando para si um risco que agora deve suportar.

Com efeito, no tocante ao empréstimo, dúvida alguma há, pois restou bem confessado nos autos. Logo, uma vez vencida e não paga a dívida, é lícito ao devedor promover as medidas legais para recuperar o seu crédito, consistindo isso mero exercício regular de direito. A dívida, outrossim, se positivava no valor do contrato entre a autora e o co-réu Banco Santos, sem interferência ou vinculação com o negócio das debêntures, de todo diverso e com outra empresa.

Por outro lado, apesar das notícias veiculadas (fla. 119/128) no sentido de que o Banco estaria praticando a chamada “venda casada”, as provas dos autos não autorizam afirmar a veracidade disso. Além do mais, considerando ser a autora poderosa empresa, nada anima o acolhimento da sua vazia alegação de que o Banco lhe teria “imposto” ou “compelido” à aquisição daquelas debêntures.

Pode ser, ao contrário, que por um motivo ou por outro aquela aquisição lhe tenha sido conveniente, tornando-se depois apenas um mau negócio. Mas por si só isso não pode levar à pretendida nulidade. Sobre isso, aliás, bem destacou o MM. Juiz, ao dizer que, como empresa, a autora tinha totais condições de avaliar a conveniência dos negócios que faz, dai não se podendo dizer “enganada” ou compelida a contratar.

Ou conforme suas palavras (fls. 259): “Não é nem um pouco crível que, em sua atividade de busca de lucro, se sujeitasse a exigências de quem quer que fosse, ponderando-se ainda que o Banco Santos não era e não é a, única instituição financeira que opera tais linhas de crédito. Se celebrou os negócios descritos na inicial, foi porque entendeu conveniente, e porque esperava lucro. Repita-se que o empresário busca lucro. Negocia com essa finalidade. Não é cabível que venha alegar vontade viciada após o insucesso empresarial da contratação que efetuou”.

Dessa forma, o que contamina e torna ilícita a chamada “operação casada” ou ‘Venda casadaé o abuso ou a exploração de uma parte pela outra, de modo a que o adquirente não tenha outra alternativa, senão adquirir ambos os produtos. Mas isso, com todo o respeito, não ficou demonstrado nos autos. Ao contrário, pelos elementos existentes, parece mesmo que o investimento nas debêntures não foi fruto de imposição alguma, mas sim de ato deliberado da parte da autora, tanto que ela acompanhava a situação do investimento feito, como bem informam as correspondências de fls. 119/117 (que inclusive apontam significativos ganhos, pois já em novembro/2004 o valor das debêntures era de R$ 144.389,08 – fls. 117).

Por outro lado, também não podia vingar a tese de simulação, pois a situação não se amolda às hipóteses do artigo 167 do Código Civil. Além dó mais, conforme salientado na r. Sentença (fls. 260), as circunstâncias evidenciam que ao afirmar a simulação a autora na verdade “estaria pretendendo se beneficiar de sua própria torpeza”, quiçá buscando apenas, “por via transversa, livrar-se de negócio que não teve o resultado esperado”.

De sua vez, a pretendida compensação era também inadmissível. Em primeiro lugar, porque só se podem compensar dívidas líquidas e vencidas (art. 369, Código Civil) e depois porque não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro (art. 380, Código Civil), o que resultaria aqui, como bem posto na r. sentença (fls. 261):

“Em face do estado falencial do banco réu, tal pretensão afrontaria a igualdade que deve existir entre todos aqueles que se encontram em situação semelhante à da autora. Se se pudesse compelir a massa falida a aceitar tal forma de pagamento, haveria tratamento diferenciado a uma pessoa em particular, em detrimento de todos aqueles que têm direito e obrigações em face da massa.”

Finalmente, nem era caso, “data venia“, de desconsideração de personalidade jurídica das empresas, pois como aduziu o apelado (fls. 336), incabível tal medida “prima facie“, ou seja, antes que se faça a cobrança dos créditos e se verifique a impossibilidade da devedora cumprir suas obrigações,, por ter a pessoa jurídica se desviado de suas finalidades ou funções.”No mesmo sentido, o acórdão proferido nos autos da apelação nº 7.083.562-8, relatado pelo Des. Paulo Pastore Filho, com a seguinte ementa:

“CONTRATO BANCÁRIO — parte que pretende a declaração de inexigibilidade de obrigação sob o argumento de haver sido induzida a erro –Situação meramente acidental que não permite acolher a pretensão, especialmente, diante dos indícios da participação em simulação. CONTRATOS BANCÁRIOS — Financiamento garantido por debêntures da emissão de empresa do mesmo grupo financeiro — Compensação — Impossibilidade ante a decretação da falência e falta de identidade entre credores e devedores — Recurso não provido.”

Igualmente, a apelação nº 7.115.903-4, desta Comarca, Rel. Des. Cláudia Ravacci, com a seguinte ementa: NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. Cédula de Crédito Bancário garantida por debêntures da segunda co-ré. Queixa inócua dos autores de que teriam sido vítimas de atos fraudulentos no mercado financeiro. Garantia pignoratícia à cambial hoje dec duvidoso valor patrimonial como é próprio do risco do investimento em debêntures. Termos expressos do Regulamento Fundo e da Instrução CVM 409/2004. Negócio jurídico perfeito e acabado entre pessoas maiores e capazes. Recurso não provido.

”É preciso acrescentar que eventuais irregularidades praticadas na administração do Banco, enquanto em atividade, não podem servir de fundamento para a demanda. O que é relevante é que, para a massa falida, que tem personalidade autônoma, existe crédito em aberto, decorrente do contrato firmado, cuja dívida não foi negada pela Autora. Ocorre, no entanto, ainda, que a natureza da obrigação decorrente do Adiantamento do Contrato de Câmbio não autoriza a compensação do art. 22 da Lei 11.101/2005. Isto porque existe disposição legal especialíssima, decorrente da Lei nº 4.728/65, que estabelece, no § 4º do seu art. 75 que:

“As importâncias adiantadas na forma do § 2º deste artigo serão destinadas, na hipótese de falência, liquidação xtrajudicial ou intervenção em Instituição Financeira, ao pagamento das linhas de crédito comercial que lhes deram origem, nos termos e condições estabelecidas pelo Banco Central do Brasil” (redação da Lei nº 9.450/97).

Esta disposição legal impede a compensação do crédito cobrado pela massa falida com as demais aplicações financeiras que a Autora detinha junto ao Banco Santos. É que, aperfeiçoado como de fato foi, o adiantamento do contrato de câmbio, a obrigação do Banco Santos seria apenas a de receber o valor devido pela Autora, tendo que repassá-lo, imediatamente, ao Banco fornecedor dos recursos, no caso o Sindicato de Bancos referido a f.35, questão também invocada pelo interveniente de f. 393 e segs., a quem ele estava vinculado, como se vê do Contrato de Adiantamento de Câmbio — ACC.

Em resumo, quem deve receber este crédito não é o Banco Santos, mero repassador da quantia devida pela Autora ao banco estrangeiro. Impossível, como se vê, dada a natureza das obrigações, a pretendida compensação, também e, principalmente, por este motivo.

O julgamento que aqui fosse dado não prejudicaria a co-ré, de tal sorte que a Autora, em relação a ela, carece da ação proposta. Em face do exposto, julgo a ação improcedente, em relação à 1ª ré e a Autora por carecedora de ação, em relação à co-ré, respondendo pelas custas processuais e por honorários de advogado, arbitrados, na forma do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, em R$ 10.000,00, com atualização monetária a partir desta data, sendo que 2/3 do valor serão pagos ao 1º Réu e o restante ao Réu excluído. Por força do julgamento, perde efeito a liminar concedida.

P.R.I.

São Paulo, 11 de fevereiro de 2008.

Caio Marcelo Mendes de Oliveira

Juiz de Direito

Revista Consultor Jurídico, 16 de fevereiro de 2008